gabriel tinha 19 anos quando entrou pra faculdade.
não era federal, mas isso não o impedia de se esforçar.
entre um esforço e outro, ele aprendeu a gostar da fumaça de cigarro.
não de pegar alguma coisa, colocar entre os dedos e levar à boca.
mas de sentir algo queimando. de ver seus amigos expelir a fumaça como quem ri sem querer. sem prestar atenção na conversa.
conheci gabriel em um sonho, e nunca gostei de fumar. gostava só do gabriel, e ele gostava da fumaça.
começamos a sair juntos, logo me senti sufocada.
a fumaça, as pessoas, os amigos fumantes.
beber perto do gabriel me ajudava, ele ficava calmo e eu ficava risonha, me perguntei se ele gostava de mim ou da minha melhor versão, a sem problemas.
com 1 mês e meio senti mais cheiro de fumaça no gabriel do que usualmente. minha faculdade voltou de férias e eu voltei a pegar ônibus todo dia.
dia de sexta, pulava da aula pra praia, e da praia pra casa.
era muito simples, se for parar pra pensar. gabriel estava na faculdade e no meio da fumaça, mas nunca dela. eu estava com gabriel, e meus problemas.
gostava das nossas brigas; a maioria tinha um fundo de verdade, mas nós nunca estávamos sérios, nunca voltamos e nunca fomos embora. era um limbo entre sonho e realidade. para o gabriel, entre a fumaça e o ar limpo.
sempre achei engraçado, como alguém poderia não ver problema em ser fumante passivo? acabei virando acompanhante de alguém que andava com meus problemas e com os deles (aparentemente inexistentes)
andávamos no campo. discutíamos política e teorias dos meus desenhos favoritos. no final da tarde eu ouvia barão vermelho e ele The Strokes. não é contrário, é só muito bom. íamos pra casa no ônibus que mais dava voltas, minha mãe me odiava por isso.
descia no meu ponto e ele seguia pro dele, morávamos longe e vivíamos perto.
conhecer gabriel no sonho acabou se tornando um pesadelo.
ele não era real
mas a fumaça e todos os meus problemas eram.
acabei encontrando o fumante passivo em muito mais sonhos.
ri tantas vezes dessa ideia que me perguntei se meus remédios estavam realmente fazendo efeito.
encontrei no ele no shopping, em outra cidade, e no bar da esquina de casa.
encontrei ele mais vezes do que queria ter encontrado
e toda vez passava mal, sufocada.
algumas pessoas acabam nos fazendo mal, por tanto tempo que nem vemos. deixei de perceber aquilo como um fechamento de garganta, e passei a encarar como um detalhe dele, quase igual ao sinal na mão esquerda, era charmoso e só um mero ponto.
a faculdade dele estava na metade, e eu no final.
faz uma semana que não encontro gabriel num sonho, mas me ouvi chamando o nome dele na noite passada, até senti meu pulmão mais limpo.
talvez ele tenha dito adeus pra mim sem saber como isso iria me machucar.
tudo o que me resta agora é prender a respiração pra sentir ele de novo, todo o sufoco e cheiro de queimado que o acompanhava.