8. penúltimo sonho

gabriel tinha 19 anos quando entrou pra faculdade.

não era federal, mas isso não o impedia de se esforçar.

entre um esforço e outro, ele aprendeu a gostar da fumaça de cigarro.

não de pegar alguma coisa, colocar entre os dedos e levar à boca.

mas de sentir algo queimando. de ver seus amigos expelir a fumaça como quem ri sem querer. sem prestar atenção na conversa.

conheci gabriel em um sonho, e nunca gostei de fumar. gostava só do gabriel, e ele gostava da fumaça.

começamos a sair juntos, logo me senti sufocada.

a fumaça, as pessoas, os amigos fumantes.

beber perto do gabriel me ajudava, ele ficava calmo e eu ficava risonha, me perguntei se ele gostava de mim ou da minha melhor versão, a sem problemas.

com 1 mês e meio senti mais cheiro de fumaça no gabriel do que usualmente. minha faculdade voltou de férias e eu voltei a pegar ônibus todo dia.

dia de sexta, pulava da aula pra praia, e da praia pra casa.

era muito simples, se for parar pra pensar. gabriel estava na faculdade e no meio da fumaça, mas nunca dela. eu estava com gabriel, e meus problemas.

gostava das nossas brigas; a maioria tinha um fundo de verdade, mas nós nunca estávamos sérios, nunca voltamos e nunca fomos embora. era um limbo entre sonho e realidade. para o gabriel, entre a fumaça e o ar limpo.

sempre achei engraçado, como alguém poderia não ver problema em ser fumante passivo? acabei virando acompanhante de alguém que andava com meus problemas e com os deles (aparentemente inexistentes)

andávamos no campo. discutíamos política e teorias dos meus desenhos favoritos. no final da tarde eu ouvia barão vermelho e ele The Strokes. não é contrário, é só muito bom. íamos pra casa no ônibus que mais dava voltas, minha mãe me odiava por isso.

descia no meu ponto e ele seguia pro dele, morávamos longe e vivíamos perto.

conhecer gabriel no sonho acabou se tornando um pesadelo.

ele não era real

mas a fumaça e todos os meus problemas eram.

acabei encontrando o fumante passivo em muito mais sonhos.

ri tantas vezes dessa ideia que me perguntei se meus remédios estavam realmente fazendo efeito.

encontrei no ele no shopping, em outra cidade, e no bar da esquina de casa.

encontrei ele mais vezes do que queria ter encontrado

e toda vez passava mal, sufocada.

algumas pessoas acabam nos fazendo mal, por tanto tempo que nem vemos. deixei de perceber aquilo como um fechamento de garganta, e passei a encarar como um detalhe dele, quase igual ao sinal na mão esquerda, era charmoso e só um mero ponto.

a faculdade dele estava na metade, e eu no final.

faz uma semana que não encontro gabriel num sonho, mas me ouvi chamando o nome dele na noite passada, até senti meu pulmão mais limpo.

talvez ele tenha dito adeus pra mim sem saber como isso iria me machucar.

tudo o que me resta agora é prender a respiração pra sentir ele de novo, todo o sufoco e cheiro de queimado que o acompanhava.

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